Como você reinventou (ou não) seu jeito de estar só?
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O modo como temos contato com nosso EU mais profundo, o nosso momento solitário (que não necessariamente precisa ser ruim), depende muito de com que frequência isso acontece; tudo para se tornar um hábito, ser parte da rotina e talvez nos fazer lidar de uma melhor forma, varia conforme o contato que temos com aquilo, no caso, com nós mesmos.
A pandemia proporcionou um enclausuramento de boa parte da população como uma das medidas de proteção, que foram aceitas ou não, seguidas ou não por diversas pessoas, e salvo alguns casos de profissionais da saúde, motoristas de ambulância e outras pessoas que ficaram na linha de frente dessa “guerra de vírus”, uma parcela considerável de nós tivemos que conviver 24h com as pessoas com quem moramos juntos ou simplesmente viver esse momento sozinhos (ou com nossos pets, quem tem a oportunidade de ter).
Pensando nisso, e lendo um livro do Leandro Karnal chamado “O Dilema do Porco Espinho”, essa metáfora nunca fez tanto sentido, pois como ele trás no texto, o dilema é basicamente: os porcos espinhos para se manterem aquecidos no inverno se juntam em grupos, porém quanto mais próximos, mais se machucam com os espinhos dos outros e vice-versa, ao passo que, estando longe dos espinhos do grupo, ficam sozinhos e podem acabar morrendo de frio por isso.
Das histórias que puder mais ouvir durante essa pandemia, é que o convívio com o outro era bem diferente antes, pois talvez eu o encontrasse em momentos/ lugares específicos, fosse delimitada por alguma razão como seria esse contato e o que ele poderia me proporcionar (como o calor que os porcos espinhos buscam no inverno), porém a pandemia escancarou os espinhos de todos, uma vez que estamos isolados, com medo a flor da pele, irritados pelas mudanças constantes e não habituados a nova realidade; isso tudo nos deixa mais irritados e com razão, estamos vivendo uma nova experiência, claro que não é a primeira das milhares das adaptações que fizemos ao longo da história, afinal somente os melhores adaptados às mudanças, conseguiram prosseguir para os próximos anos e fazer com que nós estivéssemos aqui, novamente se adaptando a algo novo.
O dilema do texto de Karnal me fez pensar numa outra forma de lê-lo como uma colcha de retalhos que, aliás, lembro que tinha uma quando era criança e que até pouco tempo permaneceu comigo (mesmo deixando as canelas de fora). Penso nos retalhos como partes da nossa vida; nossas escolhas, nossos desejos, e quando eu permito mostrar alguma parte a alguém em certo momento, é apenas um recorte do que é “conveniente” ser mostrado, os demais retalhos, os buracos que possam ter, eu guardo para mim ou compartilho com pessoas específicas, o que demonstra claramente, controle sobre eles, o que irei fazer, como e quando. Isso está bem estruturado, porém com a pandemia isso foi por água abaixo, daí minha pergunta inicial: Como você reinventa esse estar com outras pessoas, lidando com nossos espinhos e os delas e olhando para nossos buracos nos retalhos?
A tecnologia, como o autor do texto propõe, é uma aliada em vários sentidos e momentos da nossa vida, porém quando ela passa a ser a fonte principal de “calor artificial” que buscamos, sem me arriscar a me espetar ou mostrar meus espinhos, acho melhor cogitar se essa é a melhor forma por hora, se pode ser nociva a nós mesmos como sociedade ou se pode se tornar uma nova ferramenta para nos aquecer, para lidar com os buracos nas colchas de retalhos e lidar com esse momento pandêmico.
Lembrando de algumas memórias de quando eu era criança, pensei muito sobre como minha “mini eu” lidava com o estar só, já que sendo filha única em uma rua com poucas ou nenhuma criança, fazia muitas cabaninhas de lençol por cima do sofá, prendido na janela e ali era meu mundo isolado (mesmo já estando bem isolada), lá várias brincadeiras eram criadas e pensadas por mim, como esse momento era mágico! Tinha diálogos com minhas bonecas e entre elas sobre o que estavam fazendo, como iríamos lidar com uma peça faltante de um jogo, criava receitas mirabolantes com macarrão cru etc.
Ou seja, por mais que eu compartilhasse momentos com minha melhor amiga na época (e até hoje) brincando de vôlei e esconde-esconde na rua da casa da minha avó, ainda sim, a outra parte do tempo foi muito vivida com meus pensamentos, minhas ideias, que se tornaram ganchos para textos como esse.
E claro, a leitura e a escrita também eram meus companheiros constantes desde aquela época, me ver rodeada de livros de figuras, de histórias, de colorir, diários, era algo comum, pois fui me habituando a esses momentos onde minha imaginação estava solta e eu poderia ir com ela aonde quer que quisesse, claro que muito disso partia de mim, não havia outras crianças que pudessem colaborar com mais ideias nesses momentos, mas ainda sim, hoje vejo como momentos preciosos para que eu pudesse sempre voltar a mim mesma neles, a depender do meu dia, do meu humor, usar desse olhar (mesmo que muito infantil) de mim mesma para minhas futuras projeções.
Esse acaba sendo um tema e tanto para se aprofundar ainda mais, pois conversa com a adaptação em estar só que falei antes, as ferramentas que eu dispunha na minha infância para lidar com isso foram minha imaginação, alguns brinquedos e muito tempo livre sozinha para criar e recriar o que achava que precisava. Sou alguém da Geração Y ou Millennial, como queira chamar, que usava brinquedos e recursos não tão tecnológicos como os que existem hoje que falam, se mexem e fazem seu café (ou mamadeira rs).
E exatamente por isso, surge a dúvida em mim, isso me torna mais ou menos capaz / criativa que as crianças de hoje que têm acesso a esse estímulos e possibilidades, ou isso só as deixa ainda mais próximas de encontrarem suas vozes internas e usá-las da melhor forma possível?
Duas últimas referências que irei me basear para essa última parte da minha reflexão, são o trecho da música de Tom Jobim “Wave”:
“Vou te contar, os olhos já não podem ver
Coisas que só o coração pode entender
Fundamental é mesmo o amor
É impossível ser feliz sozinho”
E uma parte do mesmo livre que usei como profunda referência e internalização desses pensamentos em mim mesma, “O Dilema do Porco Espinho” :
“Se considerarmos que o amor correspondido seria o perfeito oposto da solidão, entendemos que quase toda a arte e literatura gira entre os dois polos: estar só ou estar acompanhado. Fugir ou buscar o isolamento, encontrar ou perder o amor é o eixo definidor da própria cultura humana. O poeta Rainer Maria Rilke definiu que o amor era apenas duas solidões protegendo-se uma à outra. Quase podemos ver a ligeira ironia contida na afirmação: amor é solidão compartilhada.”
Uma ideia que pairou sobre a minha cabeça enquanto escrevia cantarolando a música e folheando as páginas do livro, é que quando escolho estar com alguém dividindo uma caminhada a beira mar ou um dia chuvoso com uma xícara de chá, é que acabo renunciando ao mesmo momento compartilhado comigo mesma, onde minimamente compartilhado com alguém que não eu, precisa ser interessante ou ter sentido para outrem, na música por exemplo, conta-se tudo o que foi prometido a pessoa amada (creio que seja) mas que fundamentalmente, é o amor que supera tudo isso pois é impossível ser feliz sozinho.... Certo, então para cultivar a felicidade plena, precisa ser compartilhada? Ou é apenas uma das formas de se atingir essa felicidade? Ou a forma mais esperada que se tenha como retorno a felicidade, afinal, duas expectativas estão em jogo, enquanto só, ter ou não com quem compartilhar uma xícara de chá ou uma caminhada na praia, parece ser muito triste, será mesmo?
Poder escolher como e quando se quer compartilhar momentos como esses, acaba sendo uma dádiva que nem todos usam, por não se sentirem bem para estar só/acompanhado enquanto queriam o oposto ou por não viabilizarem esse momento, por medo? julgamento? imposição alheia? Cada pessoa deve ter um argumento, mas se permitir experimentar momentos habitualmente compartilhados, estando a sós consigo, pode ser um grande desafio para além dos nossos limites conhecidos (não apenas gerados pelo frenesi do isolamento social).
Última página
Espero sinceramente que essas minhas dúvidas tenha feito quem estiver lendo também a se perguntar e quem sabe arriscar respondê-las, uma vez que não há uma só resposta definitiva, cada uma irá variar conforme nossa vivência e concepção sobre, mas como é bom dividi-las com outras pessoas para ramificar outros caminhos!
Agradeço a oportunidade e o empurrãozinho necessário que o curso mediado pela Aline Valek na Domestika me fizeram tomar forma e consciência de que a escrita é uma possibilidade muito além do que os olhos podem ver e que não há tempo ruim nem idade pra isso, confiar no processo irá virar mantra rs
Para quem quiser me acompanhar por minhas ideias e andanças, meu perfil profissional e pessoal do Instagram são psicologa_alemazzi e ale_mazzi96.
Se preferir, meu e-mail particular mazziale1996@gmail.com.
Mensagens por telepatia ainda em construção, me aguardem!
No mais, fico por aqui e por onde a escrita me levar.
Alessandra Mazzi
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